Gretchen Reynolds
Do New York Times
01/03/2018 17h03
O exercício pode ajudar o cérebro a produzir memórias duráveis, em bons ou maus momentos.
O estresse e a adversidade enfraquecem a capacidade cerebral de aprender e reter informação, como constatou pesquisa anterior. Porém, segundo um novo estudo neurológico em camundongos, o exercício regular pode contra-atacar tais efeitos ao estimular a comunicação entre as células cerebrais.
Há muito tempo a memória é considerada um enigma biológico, uma mistura de efemeridade mental que tem alguma base na existência material. As memórias são codificadas nas células cerebrais do hipocampo, o centro de memória do cérebro. Se nossas memórias não fossem escritas nessas células, não estariam disponíveis para lembranças posteriores em longo prazo, e todo cérebro seria como o de Dory, o peixinho com problemas de memória em “Procurando Nemo”.
Contudo, representações da experiência são extremamente complexas e aspectos da maioria das lembranças devem estar espalhados em várias células cerebrais, determinaram neurocientistas.
Essas células devem ser capazes de se conectar, assim a memória, como um todo, permanece intacta.
As conexões entre os neurônios, conhecidas como sinapses, são compostas de sinais elétricos e químicos que se deslocam entre células. Os sinais podem ser relativamente fracos e esporádicos ou fluir com vigor e frequência. Em geral, quanto mais fortes as mensagens entre os neurônios, mais robustas e permanentes são as memórias.
Os neurocientistas já sabem há algum tempo que a potência de nossas sinapses depende em algum grau de como vivemos nossas vidas. Falta de sono, álcool, dieta e outros aspectos do estilo de vida, principalmente o estresse, podem enfraquecer o fluxo de mensagens entre as células cerebrais, enquanto a prática o fortifica. Repita uma ação e os sinais entre as células mantendo a memória dessa ação podem se fortalecer. Isso é aprendizado.
Também existem pistas de que o exercício pode afetar positivamente as sinapses no hipocampo. Demonstrou-se em muitos estudos que a atividade física aprimora o aprendizado e a memória. Todavia, somente alguns estudos com animais acompanharam de perto as mudanças nas sinapses após exercícios e nenhum examinou simultaneamente o estresse, tornando os resultados pouco representativos para a vida atual, que sempre contém uma dose de estresse.
Assim, para o novo estudo, publicado neste mês no periódico Neurobiology of Learning and Memory, pesquisadores da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, reuniram camundongos machos saudáveis; eles planejam estudos futuros com fêmeas.
Os animais foram divididos em grupos. Alguns, como controle, continuaram com a vida normal de roedores. Outros começaram a correr à vontade nas rodas das gaiolas; camundongos parecem gostar de correr e esses percorriam com avidez quase cinco quilômetros por dia.
Após um mês, alguns dos animais sedentários foram expostos a três dias de experiências estressantes. Elas envolviam algum tipo de restrição branda, o que torna presas como camundongos compreensivelmente ansiosas.
Os pesquisadores estavam tentando simular estresse relativamente crônico nos animais, algo que a maioria das pessoas sente nas pressões cotidianas do trabalho.
Alguns dos corredores também sofreram restrições e estresse.
Então, para constatar se alguma mudança nas sinapses dos animais se refletiria na experiência vivida, os pesquisadores fizeram alguns camundongos de cada grupo aprender a percorrer um labirinto com uma guloseima em um canto escondido.
Por fim, os pesquisadores examinaram microscopicamente as operações das sinapses juntando os neurônios no hipocampo dos animais. Ao estimular eletricamente algumas das células isoladas, eles poderiam ver quantas e que tipos de mensagens saltavam entre elas.
Ficou claro de imediato que os três dias de estresse crônico reduziram a eficiência das sinapses nos animais sedentários estressados, na comparação com os camundongos do grupo de controle. Suas conexões intracelulares eram muito mais fracas.
Já os corredores não estressados apresentavam sinapses mais fortes e movimentadas, sugerindo que sua capacidade de aprender e lembrar seria mais elevada do que em outros animais.
O mais interessante, talvez, é que os animais que tinham corrido e passaram por estresse crônico apresentavam sinapses parecidas com as do grupo de controle, normais e tranquilos. Elas não eram tão fortes quanto as dos corredores nunca estressados, mas muito mais fortes do que as dos animais que se estressaram, mas não se exercitavam.
Em termos de comportamento, os corredores, estressados ou não, também aprenderam a localização das guloseimas no labirinto mais rapidamente do que os animais sedentários, e lembraram mais rapidamente e com precisão várias semanas mais tarde.
No total, parece que o exercício aprimorou as memórias dos animais, mesmo diante de estresse, ao fortalecer as sinapses e suavizar os efeitos negativos que teria nessas conexões neurais, afirma Roxanne Miller, que conduziu o estudo como parte de sua pesquisa de doutorado na universidade.
Segundo ela, ainda não está claro, no entanto, como o exercício mudou as sinapses dos animais em nível molecular. Ela e colegas encontraram aumento na atividade de determinados genes e nos níveis de certas proteínas nos cérebros dos corredores que poderiam ter contribuído para as modificações.
Entretanto, mais pesquisa é necessária nesse caso, além de descobrir se outras formas de exercício, tais como treinamento de resistência ou caminhada suave, teriam efeitos comparáveis, explica a cientista.
E, é claro, camundongos não são pessoas, e é impossível saber se as mesmas mudanças ocorrem em nossas sinapses quando nos exercitamos.
Mesmo assim, os resultados parecerem dar mais um motivo para que ser ativo fisicamente “seja uma excelente ideia”, diz Miller.
Fonte: https://vivabem.uol.com.br/noticias/redacao/2018/03/01/fazer-exercicios-principalmente-correr-pode-ajudar-a-fortalecer-a-memoria.htm